“Meu único defeito é não ter medo de fazer o que gosto.” – Rita Lee
Será que todo pesquisador tem essa “péssima” mania de ficar pensando na próxima pesquisa antes de terminar a pesquisa que está fazendo no momento?
Eu ainda não finalizei o doutorado mas, a partir do que escrevi ontem, pensando em uma perspectiva maior para a minha pesquisa de vida como um todo, eu tenho algumas ideias para o meu pós-doc já há algum tempo e tenho conseguido amadurecer melhor o que quero desenvolver nessa pesquisa.
No mestrado, eu realizei o meu sonho de voltar a estudar na Cásper Líbero, ter meu professor preferido como orientador e me formar lá. Eu queria ter esse diploma na Cásper. Minha avó, que faleceu enquanto eu estava no mestrado, teria ficado muito orgulhosa. Ela foi a maior incentivadora quando eu entrei lá para fazer Jornalismo na graduação, mas acabei saindo para fazer Publicidade porque não me deixaram mudar de curso na época.
No doutorado, realizei o sonho de ir para a área de Ciências Sociais – uma frustração da adolescência da época do vestibular. Eu queria ter feito Ciências Sociais ou História. Não fiz. Prestei para Jornalismo, pensando “no mercado” etc. Entrar em Jornalismo e me formar em Comunicação foi importante para mim e para a minha formação, mas eu continuei mantendo essa vontade dentro de mim de estudar uma das duas ciências humanas (ou as duas).
E esse é justamente o ponto agora, para o pós-doc. Eu penso em ir para a História. Juntar Sociologia e História, estudando um tema que tenho estado aficionada desde a época em que o Bolsonaro se tornou presidente e eu comecei a estudar pra ficar esperta: a construção do nazismo.
Eu tive profundos insights quando visitei a sala 600 do Tribunal de Nuremberg, quando estive lá em fevereiro. Essa é uma maneira mais bonitinha de dizer que eu tive uma crise de pânico dentro daquela sala. O ambiente era pesado demais. Eu estudei demais sobre o nazismo para conseguir ficar ali sem ser afetada (além de eu já ser exageradamente sensível para essas coisas e ambientes). Alguns anos atrás, eu li o excelente livro do Bauman, “Modernidade e Holocausto”, que é um livro que eu sinceramente tenho vontade de sair distribuindo na rua, para que todos leiam. Nesse livro, o Bauman fala como o que aconteceu na Alemanha nazista não foi algo “da Alemanha nazista”. Foi algo do sistema capitalista, e que poderia acontecer novamente, a qualquer momento, devido à própria estrutura de exploração essencial para a existência do capitalismo.
Particularmente, eu acho que o tribunal de Nuremberg foi um grande espetáculo dos Estados Unidos para mostrar que estavam “fazendo justiça” depois da II Guerra. Por trás daquele julgamento, que obviamente foi importante em vários sentidos (não tiro o mérito disso), os Estados Unidos estavam buscando oficiais e gestores nazistas para levar para atuarem nas grandes empresas norte-americanas. No ano passado, eu li um livro chamado “Livres para obedecer”, do historiador Johann Chapoutot, onde ele mostra como as práticas modernas de administração e de recursos humanos foram influenciadas e até moldadas pelo modelo de gestão e disciplina do nazismo, até mesmo porque tais gestores do regime nazista foram dar aulas em universidades alemãs de Administração, assumiram a direção de várias empresas na Europa e nos Estados Unidos etc…
A minha hipótese – e que quero levar para o pós-doc – é que, na verdade, os campos de concentração representam uma versão extremada do que vivenciamos cotidianamente “aqui fora” no sistema capitalista. Somos forçados a trabalhar dentro de uma gaiola de ferro até morrer.
Desse ponto de vista, pretendo estudar como, dentro dos campos de concentração nazistas, considerados um dos ambientes mais tóxicos e desumanizadores da história, e mesmo em circunstâncias extremas de opressão e sofrimento, algumas pessoas conseguiram demonstrar e praticar atos de compaixão.
Tive a vontade de produzir uma pesquisa a esse respeito depois de ler o livro “KL – A história dos campos de concentração”, do historiador alemão Nikolaus Wachsmann, quando ele disse que o registro do que aconteceu nos campos está se perdendo e que isso é perigoso. Pesquisadores evitam esse tema porque ele é muito doloroso de fato. Pessoas evitam falar porque é muito perturbador. Mas é necessário, senão se esquece.
Sinceramente, eu ainda não fiz um levantamento bibliográfico sobre essa temática, mas acredito que existam bons registros sobre essas histórias. Já vi algumas coisas por cima. Mas, como meu foco de vida é a produtividade humana, fazer esse estudo a partir desse viés me parece um diferencial de pesquisa. Traçar esse paralelo com o mundo atual, “aqui fora”, seria a principal abordagem. Criar um modelo que explique como a compaixão pode surgir e ser sustentada em ambientes altamente tóxicos, e como essas lições podem ser aplicadas para humanizar ambientes de trabalho modernos, até mesmo abordando situações de trabalho escravo forçado que ainda existem.
Enfim, ainda tenho bastante ideia a desenvolver e amadurecer, mas seria esse o plano inicial.
Eu também gostaria de fazer essa pesquisa fora do país, mas isso depende dos planos de vida do Paul também, porque não quero ficar longe dele novamente. Ainda tem bastante tempo até isso acontecer, então até lá eu poderei finalizar meu doutorado, transformar a tese em um livro, divulgar, escrever artigos e amadurecer as ideias para esse pós-doutorado.
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